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terça-feira, julho 27, 2004

Apenas ser

Hoje só me apetecia andar sem rumo
Obedecer à vontade dos passos
Deixar-me guiar por entre braços
Pendurar-me em beijos sem cansaços
Pôr as vozes em off, desleixar o aprumo

Hoje só me apetecia vagabundear lembranças
De mochila a rojo, renovar as rotas
Profanar viagens, dormir em palhotas
Comer da vida apenas hóstias
Percorrer altares de mundo

Hoje só me apetecia vida sem queixumes
Destilar no sangue novos perfumes
Apagar o hiato, o absurdo, o inóspito
Recuperar o longe, o aqui, o próximo
Alcançar do chão apenas cumes

Hoje só me apetecia recuperar o essencial
Colar sentimentos picotados
Alisar os amarfanhados
Rescrever o sentido dos fados
Lavar da vida o que me faz mal

Hoje apetecia-me apenas ser
Apenas tanto por fazer

domingo, julho 25, 2004

O beijo

Não receies nunca a prisão do meu beijo
que laça e desprende num ápice de arpejo.
Melhor não ficares se não te deres inteiro.
Quem se demorar que saiba primeiro
distinguir amarrar de amarar
partir de voltar
mensagem de mensageiro.

Prisão maior é essa
ficar-se amarrado a falsa promessa!
Amarar no deserto
julgar-se longe e afinal estar-se perto
de se afundar num mar de areias
confundir ideais e ideias
por não ter o mar por certo.

No meu beijo nasce o estio.
Navega-se vindo de um rio
e aporta-se quando amanhece.
Entre o que é e o que parece
reside a diferença imensa.
Só quem o deserto atravessa
sabe que o mar não se esquece;
sabe que ficar não compensa.

sábado, julho 24, 2004

- Indiferente!

Agita-se o tecto do silêncio.
As palavras ressoam mudas,
Independentes do movimento dos lábios.
- Indiferentes!

Desengane-se quem olhar para o Tempo
E nele vir mais que simples medidor!...
Os segundos pingam, sem urgência
Adensam-se formando horas, dias
Não importa se cheias, se vazias
Que o caminho é para a frente! Sem qualquer pudor!
Os ponteiros não param e deixam a tracejado
O espectro do percurso trilhado ou por estrear
Como rastro de escrita presente ou ausente
- Indiferente!

O Tempo sucede ao tempo
Com o imperturbável rigor da rigidez repetida
Alertando que o Tempo é irrepetível.
- Indiferente!

(Cerze-se sempre lírio e restolho.)
E lá fora, o vento não se distrai!
Persegue, abana e fustiga o robusto bambuzal.
- Indiferente ou igual!

sexta-feira, julho 16, 2004

Elos

Viajo cruzeiros, peregrino rotas,
Mas sempre descruzo os braços
E as mãos vão soltas.
O destino reúne a partida.
Aporto inteira ao cais
Vinda das voltas da vida.

Enliçadas na bagagem
Vão sempre as memórias
A rojo as transporto.
Pesam-me mas pertencem-me
E já nem noto.
Algumas nem as desdobro
Andam de cá p’ra lá coladas ao forro.

Por isso sei que nunca me aparto;
O que fui, lança o que sou!
Sou assim,
Vou deixando elos de mim
Enlaçados a tudo o que faço.

quinta-feira, julho 15, 2004

Naufrágio

Assinalei com letras
trilhos e sendas
Intentei com versos nus
abrir poemas
Que te guiassem
p’los corredores do instinto
E te trazendo
te bebesse como absinto.

A espera plena
redundou em desenganos.
Caiu o breu
nos desérticos oceanos.
Sobram-me mares
revoltos e destroços
Jazem na praia
caravelas, pássaros mortos.

Frágil, a esperança
encalhou por entre seixos
Exangues,
naufragaram os desejos.
Enleio-me em ondas
de escorbuto
E lancino gritos surdos
da alma em luto.

quarta-feira, julho 14, 2004

Faltas-me tu

(Como o ocaso esconde o sol do dia seguinte
Assim insisto em escrever história vindoura
Preencho em rima coxa a branca estirpe
Da vida coxa que em versos brancos é senhora)


Faltas-me tu
Que te desenho nas vãs palavras
Com que preencho a vertigem dos meus dias
Faltas-me tu
Que te pinto - versos metáforas
P’ra me aquecer o sem sabor das noites frias

Por isso de e por ti solto os meus prantos
Que sei só seres alvoradas casuais
Faltas-me tu
Que com versos sei, coxos ou brancos,
Escrever sentidos com sentidos desiguais!

terça-feira, julho 13, 2004

CARNE, RIO E ALVORADA

Como a carne deste poema
- Misto de sangue e nervos,
Paixão e devoção,
Rio e nascente –
Os hinos gritam ternura
Rompem as silhuetas cruzadas
De fumo e álcool, pão quente.
Em corpo faminto
Vinho novo, boca ardente.
Na esquina aflita de betão e aço,
Como pedinte extasiado,
Bebo-te e como-te.
Oca de amor
Transbordo calor.
Aquece-te e queima-te no meu regaço.

Não trago nada nas mãos;
Apenas elas.
Vou tocar-te.

quinta-feira, julho 08, 2004

Recriação

As verdades puras
Já as sabemos dizer e fazer
Perfeitas
Por isso me mascaro de mim mesma
E tu nem suspeitas

sexta-feira, julho 02, 2004

O meu tamanho

Não é por me despir que me vês nua!
Tens o olhar vestido de preconceito
E o meu peito – pequeno que é, o meu peito! –
Não o consegues ver quando dilata e se insinua.

Com a alma me acontece o mesmo, já que o que vês
Ultrapassa, do teu ver, a forma informe.
Pudesses tu ver o que me dilata, o que me consome
E nasceria inteira, nessa vez primeira!
Seria, não brasa, mas a fogueira
Onde se queima incenso insano
- Seria tua!

quinta-feira, julho 01, 2004

Da tua boca aqui

Precisava da tua boca aqui
Para me segredar os gritos que não me deram
Precisava que não tivesses esquecido os mimos
E mos lambuzasses nos ouvidos
Como poemas que não me leram

Precisava da tua boca aqui
E enchê-la da minha boca
Encharcá-la de palavras livres e loucas
Dizer-te o que nunca escrevi
Contar-te a preceito a insanidade mais sôfrega

Precisava da tua boca aqui
Para afirmar as incoerências
Torná-las suaves, semi verdades, intransparências
Anuir crédula às promessas sabendo-as efémeras
Porém eternas, molhadas de incongruências

Precisava da tua boca aqui
Para me saciar do desejo
Humedecer os entre-lábios da memória
Do hiato renascer, retomar o fio à história
E perecer no ensejo do abraço do teu beijo

Precisava da tua boca aqui
Que a reinvento de passados futuros
Como corações de giz desenhados nos muros