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domingo, outubro 31, 2004

Avermelhar

Inventar-te é o meu castigo.
Ardem-me as visões e a alma.

Meço o abraço pelo comprimento
da ausência dos
teus dedos nos ângulos dos meus mamilos.

Dentro
o cheiro lavado a cair do lençol.
As ânsias assimétricas a remexerem-me as mãos.

O teu lugar é aqui
no de lá dos aromas onde
o teu beijo me desprende o vermelho dos sorrisos.

Improvável universo

Partir os sons para um
código de afectos.
Difícil geografia de palavras-terra, de palavras-água, numa geolinguagem
sem gravidade.
Ficam as palavras
sem tecto, a fazer tecto sobre
as minhas mãos no teu corpo.
E o desejo sustem infinitesimais opacidades que se desintegram no
silêncio das carícias.

quarta-feira, outubro 27, 2004

Deitando

Deito as palavras.
Quero que descansem.

Deito-me nas palavras.
Canso-me.

Queria-me palavra em descanso.
Deita-me.

terça-feira, outubro 26, 2004

Vem ter comigo

Vem ter comigo sem passado.
Por certo também passarás.
E serás o meu passado.
Terás passado pelo meu presente.

Vem ter comigo ao meu presente.
Por certo me presentearás.
E quando passado te fores,
Terás tido o meu presente.

Vem ter comigo.
Sem teres passado és presente.
Ainda que não venhas, já foste.

sexta-feira, outubro 22, 2004

interjeitar

pões-me em a
e espanto em o
visto
l e t r a s
para despir
palavras
glossário imenso
a tanger
silêncio
e por dentro
nadas

quinta-feira, outubro 21, 2004

vem cá

vem cá
acerca-te devagarinho
quero mostrar-te o caminho
do côncavo do meu olhar
vês-me inteira?
é vez primeira
tardei em ver-te chegar
mas vou
dizer-te baixinho
colar em beijos carinho
até a dor se gastar
assim
madura e premente
deitada nesse presente
vertical no teu lugar

terça-feira, outubro 19, 2004

poema amassado

ter um poema amassado
no bolso
para um dia-exaustão
alisar-lhe os vincos
afagá-lo com a mão
está quente o poema
do aconchego do bolso
ah doce abandono...
o conforto que é ter-te
inerte e indolente
anichado encostado
à palma da mão
tenho um poema amassado
no bolso
amuleto escondido
que trago comigo
num sossego-alvoroço

segunda-feira, outubro 18, 2004

Amor sujeito

Amor sujeito.

Encosto-te
À esquina
Da palavra
E nela
Me deito.

De que outro jeito?

quinta-feira, outubro 14, 2004

Conta-me histórias

Conta-me histórias
Quero ouvir palavras novas.
Pode ser antiga e pura
Quero daquelas que perduram
Sem nexo ou linear
mas agora.
Que enovele ou distenda
Que regenere ou surpreenda
Daquelas que só deslumbram
Pode ser recente e suja
mas agora.

E demora...

quarta-feira, outubro 13, 2004

Ainda que não repares

Se reparares...
Um risco tosco mistura parcerias
Doce e amaro certo e errado

Ímpares pares
Reclamam a assimetria dos lugares
Se os reparares

Se a reparares
A cegueira é simétrica
Não vislumbra para lá da recta

Destapa o pudor de sobre os olhos
Os olhos sobre todos os lugares
Se reparares...

terça-feira, outubro 12, 2004

Bocas sobre bocas

O que sentes
É a presença
Esborratada
De outras bocas
Sobre as bocas
Nesta boca
Derramadas

Bocas novas
São a tua
Que conserva
Virgem prova
Que essas bocas
Nessa boca
Se renovam

Cambiante

Mulher
Que sonha
Ser tomada
Quando toma
É a si que toma
No sonho
Do outro
Se transforma

sexta-feira, outubro 08, 2004

Obra d’arte

E corta
E rasga
E parte

E corta
E rasga
E parte

Assim se faz a arte

E molda
E solda
E cola

E molda
E solda
E cola

Assim se faz a obra

quinta-feira, outubro 07, 2004

Fachada

Devolvo-me à lembrança
Do que fui.
Pereço entristecida
Deitando as mãos à vida
Sem norte
Dando a sorte por vencida.

Recordo o diamante
A lapidar.
São vidas deslaçadas
Esperanças adiadas
Quimera
A dissolver-se devagar.

Fachada restaurada
A rigor.
Colunas reforçadas
Paredes escoradas
Palácio
Devoluto sem calor.

terça-feira, outubro 05, 2004

Pintar murais

sempre as palavras
escondidas nos gestos
cíclicos e pontuais
a encharcar incêndios
a propagar tempestades
a saltar do dorso de verdades
escancaradas ou veladas
intemporais

anseio sempre por palavras novas
espero a reinvenção da duração das horas
para que se dilate o tempo
se evada da cadeia do momento
e se sinta a urgência
de pintar murais

mas os silêncios
resistem à erosão vagarosa
lapidam-nos memórias
roubam-nos pedaços
mutilam-nos sem parcimónias
e as palavras encostam-se
rendidas e mal nutridas
às investidas das horas

salto desse dorso e peço
que me chegue novo alento
que não se canse o tempo
de arrancar e limpar palavras
de revalidar as mais usadas
de mas perfumar como magnólias
ah! que inodoras demoras!

se me acerco das palavras
e se ao tempo mais tempo rogo
é porque sei que assim morro!
abraça-me forte em socorro
dá-me do amor o soro
com que se contam novas histórias
protege-me, ó tempo
do atropelo insano
com que se tecem silêncios
pejados de más memórias

sexta-feira, outubro 01, 2004

muda Lisboa

alguém
desapareceu
definitivamente
nada disse
sua maior cobardia
corro as cortinas
metálicas
espero que chova
no silêncio
de palavra
muda Lisboa