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terça-feira, maio 25, 2004

Umbigo

Na palma da tua mão cabe um mundo
O tempo inteiro compactado num segundo
Ver-te chegar é repetir os passos
Ir do presente ao presente
Estar ciente
De arrecadares de ti para ti todos os abraços
Narciso em incesto
Deitas-te na folha
Frente e verso
Reflexo do amplexo
Umbigo do excesso
Criação que não perdoa
Na dádiva a retro pessoa

segunda-feira, maio 24, 2004

Poema triste

Hoje é dia de poema triste.
Demora-se o inverno.
Tudo o resto é solidão e desespero.
Nada mais existe.
A promessa de vida esgota-se no eco.
A alma às pregas, como dunas num deserto.
Estilhaços do que há-de ser varrem o chão.
Estranha calma em que o caos persiste.
A quietude que ensurdece após o trovão.

NA PEDRA DO PORTO

Os bancos de areia
Que aconchegavam as marés
Mudaram-se para aquela praia
De ventos calmos
E cheiro a maresia de gaivotas.
As ondas agigantaram e deram à costa
Esmaecido o azul e em branco a espuma.
Que todas as tempestades
Conheçam agora calmaria.
Molho os pés nessa água lavada
E das conchas que semeio
Seleccionei as mais puras em forma e cor
Para te fazer um colar.
Nele encontrarás
Mar e areia
Cheiro húmido a sal
Canções de pássaros pescadores.
Usa-o
Sempre que te sintas perdido
Num caos de gente
Sempre que procures
Um cais de pessoas.

Eu estou na pedra do porto
Aceno-te amizade

quinta-feira, maio 20, 2004

ONDAS

Parto para a longa viagem
Rumo sempre ao cais de maresia
Euforia em cascatas de sargaços
Ritmadas pelo sabor a agonia.

Este mar que me engravida de lua
Enche-me de areia e sal; as redes rotas.
As barcaças estão na costa, breve rua
Onde vagueio – qual gaivota! -; as mãos soltas.

Olham-me marinheiros de águas doces
Sagazes dos ventos que me dilatam.
De pouco me serve o rio; secam-se as fontes

E já os sóis poentes me maltratam.
As sereias, já só habitam os montes
E as musas, é sem dó que as escorraçam.

terça-feira, maio 18, 2004

Borboleta

Rasgar o silêncio no bater da pálpebra
Romper-lhe os fios e estragar-lhe a seda
Devorar a ninfa...

Decompor os sons no ritmo da asa
Confundir-lhe a escala e ensurdecer-lhe a pauta
Devorar a lira...

Só poisar no pólen e reclamar-lhe o sol
Pisar-lhe a flor e roubar-lhe o éter
Devorar o néctar...

Revolver paixões no lago da íris
Tingir-lhe a cor e poluir-lhe a tinta
Devorar a escrita...

Ser borboleta escondida em larva
Prender-lhe o voo e destruir-lhe a meta
Devorar o poeta...

domingo, maio 16, 2004

ESPERA

Quando a espera se instala
tudo tarda
Até a eternidade
hesita aproximar qualquer verdade
Ao quotidiano oculto em espera
de longe
chegam ecos do que é cíclico
até o vício se esquecer
que se fez homem
Molda-se o tempo
em compassos ternários
entre risos, frases soltas e abraços
O turbilhão imenso
imerso em calma
tinge de branco mácula os cabelos da alma
O choro surdo da negação
da vontade
a autonomia no gesto
que se fez tarde
tudo se avulta em corredores de memória
O tempo a crivo
reclamando o não vivido
Já sem espaço
apenas sonho; vazio o regaço
Grito mudo a soprar no vento
desgaste, lamento
embuste, saudade
A espera é cais de mau porte
abrigo podre
e ainda um dia se faz tarde

sexta-feira, maio 14, 2004

Pentamento

O antes e o agora deitados na tela
na tinta da escrita que tudo revela

quarta-feira, maio 12, 2004

Búzio

Escrever búzio e ver o mar...
Olhar-te do meu pinheiro
Sentir-te a divagar

Escrever e não ver búzio, não divagar
Para quê o teu olhar?
Se não vê mar...

Lágrima


sal

p
i
c
o
s

colados
na lente
engrossam
em gotas
escorrem
no olhar
O
o
.

gotejam
engrossam
abraçam
o rio
que escorre
p’ro mar
O
o
.

terça-feira, maio 11, 2004

Luar

não
se desnude
o luar
não
danço
envolta
no sol
na luz
refractada
deitada
no espelho
da água

segunda-feira, maio 10, 2004

Kinasa II

Memória
Fragmentada
Magnificada
Distorcida pelo tempo
Do restauro apenas jeito
Pois que me vive no peito
Em constante desdobramento
A que obedece
A que se oferece
A que não verga
A que se entrega
Apelando a emoções que não tenho
Renego-lhe o seu tamanho
Redimensiono
Não acrescento

WORKSHOPS

Escanção de vinhos, palavras e outros filtros no CCB
Meneio e macramé a quatro mãos no BBC
Helenochillout na Kapital
Frigideiras e outras mornas no Tarrafal
Morfeumas e outras fleumas no Coliseu
Dança do ventre e pliés sem dedos no Ateneu
Pegas de caras e pegas baratas na Forcados e Arena
Monociclismo sem selim na Teorema
Contorcionismo e bangee jumping na música de Brahms no Goethes Institut
Granadismo esotérico do IRA no British Institute
Loopings feiro-populares na Câmara dos Horrores
Escalpe e outras técnicas de bisturi dos media na SPA
Zangões e abelhas versus vespas e outros aselhas no Jardim Botânico
Frame ou o frémito da moldura nas obras de Dali na ARCO
Quiro e pirotécnicas no Chapitô
Serenatas coimbrãs, sapos e rãs – a essa é que eu não vou!
Cadernos, dossiers e pasquins na Papelaria Fernandes
Plásticas camonianas na tradução contemporânea no Instituto de Cervantes
Literatura pró-socialista II no Tokio
Serradura e MDF na elaboração do Pinóquio

domingo, maio 09, 2004

Prece Magna, quase Aula ou Olha pó-quemedeu

Como se não tivesse amanhã.
Chamada iúrdica, convoca todos os ácaros à oração
Contribua com seu dízimo e se liberte de todos seus pecados
Provocando a alergia que deve, todos os dias
Queremos todos os humanos infetados
Queremos todas as primaveras destruídas
Como se não tivesse amanhã.
Façamos cafuné nas pituitárias e nas glotes
Para que mais ninguém diga coisa com coisa
E todos os humanos comungando o imenso espirro
Que se propaga no templo universal da rinite esdrúxula
Como se não tivesse amanhã.
Dizimem-se todos os colchões de látex!
Todos os aspiradores a vapor!
Todos os inimigos figadais de nossa causa!
Como se não tivesse amanhã.
Levantemos as patas num gesto de união
E façamos uma enorme corrente de solidariedade
Para com nossos irmãos na fé do pó
Que perecem cozidos no vapor, trucidados às mãos
De uma qualquer mulher de lenço na cabeça,
provavelmente ucraniana
Alargue-se a fé, dilate-se o reino do pó
pó-de-arroz
pó-descrer
pó-caralho
pó-raioquetaparta
pó-desseguir
Como se não tivesse amanhã.
Eletrizemos no ataque epilético da alucinação coletiva
Histerizemos no grito de alforria transformado em prece
Cortemos as veias na imersão da asma
Sejamos plasma, retroprojetor
Imagem de claustrofobia em terror
Que se exploda o mundo e todo seu redor
Como se não tivesse amanhã.


Ácaro na moral.
Como se não tivesse amanhã.

sexta-feira, maio 07, 2004

Louros

O facho aceso na pira do génio
Timidamente erguido
Protegido pelas mãos em concha
Levado em passo determinado
Que o cuidado também conta!
Lesto na corrida do tempo
A iluminar a vontade
A perpetuar o momento
A derramar luz sobre nós
A entrar na nossa vida
A provar que a criação é infinita
A deixar-me o embargo na voz

quinta-feira, maio 06, 2004

Ilusão de óptica

Quem quer saber da minha alma !?
Por ventura alguém pára,
alguém espera para ver
o que se deve ao engenho,
o que se deve à arte de viver ?!
Como se nada me abalasse,
como se em mim não tivesse
a fraqueza de me partir toda,
de me desmembrar inteira,
como os outros!?
Recusam-me os desgostos ?!
Aligeiram-me a maneira !?
Ter, do levantar, aprendido o gesto,
fez de mim vencedora ?!
Continuo vencida,
caída no tapete da vida.
Do corpo, vêem-me a carne;
da alma, apenas a parte
que brilha, que voa, que arde!
Em mim não vêem pessoa,
que sofre, que ama, que sonha!...
No gesto, apenas coragem;
da arte, apenas aragem!
Que o âmago guardo para mim!
Reservo-me até ao fim,
até que preste o encontro,
até que morra no assombro,
até que fuja de mim!

outra vez

guardar no baú o linho tecido
embrulhá-lo com jeito, atá-lo em carinho
lavá-lo das nódoas, arquivar-lhe as provas
esquecer-lhe o fedor, espargir novo odor
desenhar na memória, só a nova forma
como quem se desmonta
tira peças da alma
ignora o torto, sacode o defeito
limpa de dores o peito
rasgando o sorriso, reabraça a calma
lima-se o diamante, leva-se a arte avante
sabendo que o tempo
na velocidade do vento
desgasta o efeito da pedra no peito

amar o amor que não se fez
renovar o desejo, nascer no ensejo
de se dar livre outra vez

quarta-feira, maio 05, 2004

Desejo de infinito

É no sonho que me espreguiço
Alongo as asas e espraio o olhar
Sei de infinitos atrás de infinitos
Sei que me encontro nos sonhos prescritos
Nos acordes da luz, no apelo do mar
Sereno o peito nos lábios do vento
Sei quando paro, de costas no tempo
Por isso sorrio
Por isso lamento
Insisto no sonho – só quero planar!...

terça-feira, maio 04, 2004

Não!

Fumar Mata
Não Fumar Mata
Viver Mata
Não Viver Mata
Amar Mata
Não Amar Mata
Viver Mata
Não Viver Mata
Escrever Mata
Não escrever Mata
Viver Mata
Não Viver Mata
Cantar Mata
Não Cantar Mata
Viver Mata
Não Viver Mata
Falar Mata
Não Falar Mata
Viver Mata
Não Viver Mata

Não Viver
Não!
Mata!

sábado, maio 01, 2004

Ritual da saudação

O cuco não cantou desta vez
Inibiu-se o seu canto
As rosas não floriram desta vez
Explodiram no bolbo
Dir-se-ia que o tempo não deu tempo, desta vez
Que, indiferente, a natureza esqueceu o ritual
Parece-me tudo inverno desta vez
Como se a renovação fosse adiada
Para maios remotos
Onde os cucos cantavam
E as rosas floriam
E se saudava maio em cada vez