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sexta-feira, janeiro 28, 2005

como não

como não imigrar palavras
se estrangeiro é teu corpo
aqui, se o não acho
como não verter escarlate
se incolor é o abraço
aqui, se o não acho
rios e estradas e árvores e astros
suspensos no espaço
e um universo submerso
aqui, se o não acho
como não fantasiar amando
se a realidade se move andando
aqui, se a não acho

quarta-feira, janeiro 26, 2005

urgentes

contorce-te agonizando
e suporta a indiferença
que não há força que desmantele
a antiga crença
serás monstro num circo itinerante
que em nenhum instante penses
estar o mundo preparado
que a tolerância não convence
não percas a tua marca
prossegue nessa demanda
e traz o ardor, sem dor, a flama
dos teus versos pertinentes
que a forma transgride a norma
mas é tua e nova a chama
que traz inteiras, se as derramas
as palavras mais urgentes

segunda-feira, janeiro 24, 2005

renomear

quando as mãos não tocam
chamam-se fim de braço

quando a um braço se encosta um corpo
chama-se a esse braço cadeira

quando uma asa de pássaro não escreve nos lábios sorriso
boca é uma parte do rosto que se chama boca

de pouco serve a poesia que se explica
porque a poesia não serve; renomeia

observe-se se o falador
se cala ou se fala a dor de outra maneira

quinta-feira, janeiro 20, 2005

inverter a lógica

só os gemidos Do Corpo nos acordam
e adivinham cisnes aqui perto
que o Saber de nada serve neste infinito
breve e inteiro
em que as garras da abundância nos devoram
em que os cristais brilham sem ter lume
rasos de água
levitam poços no deserto

só a palavra
pode inventar O Silêncio Provisório
dentro do búzio
o mar é vocábulo que se equivoca
e o verbo é boca
a trepar rente à planície do lúcido

quarta-feira, janeiro 19, 2005

senta-te aqui

senta-te aqui
na eira larga do meu peito
e descansa o fardo
o mundo nem te sente
se te fizeres ausente
e as minhas mãos
precisam dos teus cabelos
para serem gente
descansa a fala
nos meus lábios
traz-me as searas aparadas
pelos teus passos rentes
os outros nadas
são universos
limitados
pela sucessão das nossas alvoradas
quentes
sentes?

terça-feira, janeiro 18, 2005

nada a declarar

mostro-te as veias
no limite das palavras
sem trajecto de falas.
dizer nada
fazer nada
para que tudo saibas.
arar caminhos
sem frases padronizadas.
ver-te chegar
sem afluente de verdades
estereotipadas.
o teu olhar é o morfema
que traz caladas
as mentiras de outros dias
que não cabem
na arquitectura singular
destas palavras.

as veias rotas
as mãos rasgadas
mínimo gesto e convocas enxurradas.

sábado, janeiro 15, 2005

Reprise

Lembras-te
Do quanto foste amado?
Sossega, corpo enciumado.
Devolve aos leitos desfeitos do passado
As margens do brilho que desenhaste
Nas ilhas das pupilas de outros olhos.
O que te deita não é fotogénico.
Que o desejo tem tantos planos
Que desafia a sinusóide.
Quem te olha e te devora
Não rouba a essência nem se demora.
Leva da pele apenas ardor.
Que o amor
Quando desarvora
Projecta na tela o leito sem dor.
A urgência é de afecto
Sem filme sintético
E sem marcar a hora
Para gravar o amor.

A reprise a sobrar é o sobrar da flor.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Inerciar

.
Não há poesia.
.
Não há ponte.
.
Nem estrela a querer ser onda.
.
Nem sintaxe que me devolva.
.
Dentro não tem litoral.
.
Não há céu.
.
Nem temporal.
.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Silêncio

Experimento
nada dizer.
Talvez assim
o brilho não fira
a ave seja só bicho
e o mar uma tina de água.
Todas as coisas
aquietadas.
Só coisas
geometrizadas.
Nem um fonema
por mim perpasse.
E eu
descanse.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Chega de saudade!

Chega de saudade!
Melancolia nunca foi arte
Nem reza ilesa. Tristeza.
Se a semente não se parte
Fende-se a terra em vão
Ara-se o peito em sulcos líquidos
E as rosas partem em barcos
Deixando em cacos o chão.
Que siga, então!
Que mulher de marinheiro
Não se agaste o tempo inteiro
Cosendo a sombra na sombra
E largue de vez o esporão!

sexta-feira, janeiro 07, 2005

sentarei as palavras

pronto.
sentarei as palavras
mudas. não falem.
se as habitam sombras
esbatam seus contornos.
se os rios amansam
que sosseguem vagas
sejam ilhas de ombros
para pássaros frágeis.

pronto.
sentarei as palavras
mudas. não falem.
se as habitam luzes
destaquem-se as formas.
se a terra empregam
endurece o magma
anoitece um ciclo
silencie-se a alma.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

(e)migrações

não me impeçam
de dilatar
se forma for
de policromar
se o momento for cor

não me viciem
preso num gesto
que eu parto o gesso
e escorro espesso
o líquido desfazedor

as orlas que a espuma
timbra bordos na areia
não são fronteira
mas palafitas na bruma
que se
o caminho se faz caminhando
é partindo e chegando
e é isso que eu sou
foi aqui que cheguei
mas é ali que eu estou

*
(Migrações que, de Leste, aqui aportaram e que hoje comemoram.
Os meus bons votos!)

segunda-feira, janeiro 03, 2005

sem pena

larguei as penas
sem pena
para te acolher.

não chegavas.
inquietei-me.

mais tarde percebi
que já estavas.
nem senti que enquanto
esperava
te tinha trazido agarrado.

era o passado.
- engraçado! -
tão bem dissimulado
colado no meu presente.

larguei as penas
sem pena.
aquietei-me.
fiz-te ausente.