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sexta-feira, agosto 27, 2004

condenados

condenados
a um espaço
a um tempo
de alma encastrada
num corpo prisão
lancinamos gritos
projectamo-nos
aflitos
como a maré cheia
que não cabe no leito
e se evade
veloz
a encharcar o esporão

quinta-feira, agosto 26, 2004

Árvore nova

Que novidade trazer te poderei?
Tudo o que vi, ouvi, toquei
Já outro alguém te contou!
Resguardo a proeza de te surpreender diferente
Que te enrolo em novo espanto
E te mostro a semente
Da rubra árvore que ninguém ainda ousou

quarta-feira, agosto 25, 2004

sobram as mãos

sobram as mãos
que não poisam fácil
e se enovelam em nervosas melodias
enlaçam, sossegam, apontam vazias
o espaço impregnado da tua ausência

desenham trajectos
plenos de impotência
rasgam na pele extrema
sem projectos
carícias novas

de mãos vazias se enchem as horas

Desejo

Solta-se o diabo em mim
Que também o tenho
Encarcerado, indefinido, amordaçado
Anjo caído, felino ferido e açaimado
A lembrar-me de nós por todo o lado

Evade-se o desejo e corre
De mim para ti
De ti para mim
Querubim bailando encapuzado

sexta-feira, agosto 20, 2004

coisas

hoje
só queria falar de coisas
boas
para isso
tinha que referir pessoas
mas
desaprendi como o fazer
pois as pessoas
para falar
não precisam de pessoas
bastam-lhes coisas
ainda que sejam
menos boas
e
só de coisas
não me apetecia falar

quinta-feira, agosto 19, 2004

Morre-se, pois!

Morre-se, pois!
Na hora dos mal-amados
No bulício desenfreado
Das bocas na dobra dos braços
Que dizem não ser capaz
E mais
No grito que escapa
Que ensurdece na escarpa
Quando ecoa e ribomba
E desvia o norte à pomba
E faz do homem rapaz

Morre-se, pois!
A meio do caminho
Trocando amor por carinho
Com medo do nunca mais
E mais
Na fuga já sem retorno
No nó anichado no estômago
Que priva de saborear
As policromias de amar

Morre-se, pois!
E revive-se sem vontade
Sabendo com toda a verdade
Que o chamamento é maior
Ainda que fosse melhor
Deixar o barco ancorado

E mais
Soltam-se amarras do cais
Sempre e Nunca?
Nunca mais!

quarta-feira, agosto 18, 2004

Tão fácil falsear escrevendo

Tão fácil falsear escrevendo
Limar arestas, escancarar a fresta
E retocar na metáfora a evidência do que não presta!
Conspurcam as palavras só de as usar!
Arquitectos de sons, copistas de imagens
Todos falidos de esperança
Carregam fardos de inconstância
Embelezam ideias que não têm
E pensam que as palavras se sustêm
Sem caroço!? Torçam o pescoço!

Depois, há o carpir com carpideiras
Ensopar de mágoas as ideias
E servi-las em baixelas contrastadas
Fingindo que não são fanadas
E que até brilham fundidas
Sejam breves, ou compridas!
Que o importante é a catarse
Do que jorra sem parar!
E se o poeta se catasse?
Quem o mandou pôr-se a falar?!

Aos mudos não sobram gestos
E aos cegos se poupam excessos!
E eu divago; não digo nada
Fingindo-me amofinada!...
Quero lá saber da verve
Do que não se diz quando se escreve!
Quando se abre a boca e não sai nada
Está o universo, duma assentada,
A rir-se de nós, pobre rima inacabada...

terça-feira, agosto 17, 2004

Ex-aequo

Conheço-te por detrás do rosto
Não te impacientes!
És feito de sorrisos genuínos
E de mansas mágoas
Que se agigantam e rebentam ferozes
Enleadas em limos e lavadas pelas águas!
A acalmia revela o destroço
E devolve à praia o rosto
Tisnado de sol e curtido de sal
Reconheço-me nesses traços
Por isso te abro os braços
E te embalo
E te dou colo
E até me enrolo
Porque sei o que me falta
Porque gosto de quem me abraça
Sem mo pedir, sem mo cobrar
O sorriso que escondes é transparente
Não preciso ser vidente
P’ra descortinar o que te faz bem e o que te faz mal!
É tudo tão simples, afinal...
Quem dá apenas o que lhe sobra
Esconde o tesouro e só dá esmola
E eu de ti só quero o igual!

segunda-feira, agosto 16, 2004

Maresia insuportável

Maresia insuportável
Quando me faltas!
Bordeja em franja
O desejo de infinito
E solto o grito
Na raia do absurdo.
Fico imóvel e não luto.
Deixo-te entrar...
Se não me mexer consigo tudo!
Demoro-me na espera
Que o porvir não se altera
Das marés é próprio o ir e o voltar

Aquieta-se o espaço e
Não se engana a gaivota
Que bem conhece a cadência do mar...

quinta-feira, agosto 12, 2004

rebordo líquido

nas margens formam-se bancos
de sal, como escamas
vestindo as dunas
adornadas de chorões

... de costas voltadas para o rebordo líquido

a paisagem fala da água, não a tendo
os sulcos deixados pelo vento – estive aqui!
a calvície falando do poente
o ninho vazio lembrando o pássaro
o areal a disfarçar a rocha

... de costas voltadas para o rebordo líquido

e o esquecimento adormece
a ideia de mar
fantasiá-lo é fustigar o corpo

terça-feira, agosto 10, 2004

Dizer caminho

Dizer caminho
É já sair do espaço.
Trilhar palavras
Que o tempo produz.

E a penumbra aloja-se inteira
Descansando imersa
Numa esteira de luz.