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segunda-feira, fevereiro 28, 2005

A pena

Eu bem me invento
Adornada de silêncio
Só levemente
Humanecida - é bem verdade
Adivinhavas
Lentamente essa vontade
Sem palavras
Apenas beijos no teu corpo?

Não digo tudo
Quando não te digo nada
Nem me extravio
Se no teu peito derramada
Me digo inteira

O meu poema
Escreve com a boca no teu corpo
E eu calo a pena
- a verdadeira

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Um poema de amor

todos os dias a nossa dose de castigo
- essa distância
tudo isso e o seu contrário
- esta presença
não fora essa verdade em permanência
e o momento em que te evoco era dorido
se aqui te invoco
ficas perto do meu peito
se me equivoco
- longe a dor
é mal antigo
o que me chega novo e me provoca
é a pressão da sem razão da tua ausência
a sufocar-me nesta hora em que a maldigo
- meu o castigo

terça-feira, fevereiro 22, 2005

É condição

Não renego a aclamação
Que vem pelos canais das veias.
Pois se existe, é condição.
Se tapo a boca aos pensamentos
Se aos gestos procuro exactos
Não sonego ao coração
Alegria, dor, devoção.
Que só protejo a interactos
A lucidez camuflada
Pelo paliativo dos tactos.

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Nada ter para tudo ter

Não conquistar
É árduo. Exige paciência.
Saquear. Outro vício da pan-querença.
Nada ter para tudo ter
É tão difícil
Que ter apenas o ensejo
É ter já conquistado
E saqueado a essência.
Despojado do haver
Talvez o ser nos devolva a competência
De querer não querer.
Antes se achar sem procurar
Alienar no sedimento da carência.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

estatura

a cada qual a sua estatura
nem mais nem menos
do que o tamanho
do seu pensamento
assim
se nivelasse
as palavras que não leio
as palavras que não escrevo
as palavras que não lendo nem escrevendo
existem
porém fora do meu pensamento
a imensa planície
seria o terreiro lavado pelas chuvas
o raiar do dia nascido das brumas
assim
penso e não percebo
nem as palavras
nem o tamanho
porque
as que penso estão fora
e se
estando fora existem
não sei pensar nem na chuva
nem no terreiro
nem no sol a nenhuma altura
assim é a minha estatura

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Chão por estrear

Vem revolver dos meus planos os escolhos
Se sobram olhos
Que sejam para mirar em deleite
O que não planeei, nem tracei, nem usei
Se sobram braços
Que nos empurrem para os espaços
Livres do desenho estudado
Nem destino, nem caminho repisado
Se sobram passos
Que percorram. Devagar
Que só quero chão por estrear
E nada de antigos cheiros em novos regaços

sábado, fevereiro 12, 2005

Não quero então sonhar. Nem.

Lá vai a imaginação percorrer
em círculos as fronteiras do verbo.
Reduz-se o pensamento à medida das palavras.
Percebes agora porque te não digo?
Se digo a necessidade falta o horizonte
Se digo tempestade falta o tempo do corisco
Por isso têm plumas as flores
E são azuis os veios das pedras
E as aves não podem ser pássaros poisados mas a voar.
Se te trago enganadas as cores dos meus objectos
Como te poderei as formas dos meus sonhos trazer inteiras
Se só posso sonhar o verbo dentro das fronteiras?

Não quero então sonhar. Nem dizer. Então. Nem.

Transvio palavras mas são esquálidos retratos que lembram imagens de falácias
E não me agarras se me perco
Tanto quanto me perco nessas garras de ninguém.
Não me servem as palavras nem os sons nem as imagens
Se dentro delas não correr o vento dos avessos do pensamento.
Desumanizo no descalabro das cigarras
Se te disser velocidades fragmentadas
Como passeios à beira-mente
E ainda me sento cansada de dizer nada que te acrescente.

Os pássaros voam pelos veios azuis das pedras até às plumas das flores.

Mas ficam presos dentro das fronteiras do verbo
Num exercício geométrico de pavores.

Não quero então sonhar. Nem dizer. Então. Nem.
Há-de haver algum lugar além-palavra onde aguardar a primeira palavra-além.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

De lembrar

o cheiro da memória
a lembrar de lembrar
momentos
líquidos
sem os deixar enxugar
os joelhos na pedra
a língua no peito
asfaltar

lembre-se a rosa de ser rosa
o luar de ser luar
que eu não vou esquecer
de lembrar de lembrar

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

há um poema

apenas o silêncio se comove
quando a noite cai por dentro
e eu não sei como se escreve
esse poema

está na pausa entre
duas músicas nos rangidos de
uma porta na gota de
frio condensada
pelo vidro nos pêlos
da cadela presos no tapete
da sala nas sombras que
tingem lençóis no primeiro grito
do último homem por nascer

quando o silêncio se comove
cai um poema para dentro da noite
e não o vou suster

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Clivagem

não adianta atiçar vulcões
deitar sal na carne crua
cortar os pulsos à palavra
- até a verdade sangrar -

sem olhos sem orelhas
pardacenta ou mutilada
alguma biografia inacabada
acabará por se clivar

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

secura

policiaremos a construção de oásis
só perfilar cachos de tâmaras
abocanhar o sol
e cuspir esculturas de areia
até que a sede se consuma
concêntrica na miragem

nenhum desejo de água encanada
por dentro da terra a língua
encarnada