Não é fácil morrer com método (V)
Não se prescreviam lobotomias para casos limite daquele tipo. Isabel, revolvendo ponderações, não conseguia vislumbrar em que pontos viciados se detivera, em que intrincados meandros se tinha enleado; apenas sabia que não queria para si aquele estado alienado de profusão de humores instáveis que faziam antever a loucura.
As árvores da minha infância
Exibiam uma profusão de pássaros
Que nunca mais alcancei
Havia uma asa que os lembrava
Quando da primeira vez te encontrei
Quis retrazer esses pássaros
Pousei na árvore e tombei
O limiar da dor, quando ultrapassado, despoletava em cadeia reacções ilógicas com laivos de sobrevivência. Fremiam nela as oscilações instáveis da desistência. Prometia-se controlá-las, mas sentia-se incapaz. Os contratos que se tinha contraído eram desonrados vezes demais. O tempo, aparentemente ganho com os seus discorreres lógicos, caíam no segundo exacto em que dele chegavam notícias. Ele transformara-se no magnete que atraía todos os elementos da sua vida - «O amor derrama-se em tudo, enquanto o amor tudo derrama.». Parecia que tudo voltava ao início; que em cada novo momento se renovava uma esperança, mas intuía saber que aquele era um amor gorado, sem o eco que o amor pedia.
Era desumano viver assim. Estava cansada. De si, do mundo, do mundo dentro de si.
«Às vezes, fazem-nos viajar no tempo. Outras vezes, apenas nos perdemos nele.»
...
Conferiu as velas; acendeu-as. Tinham chegado as flores; dispô-las. Olhou o relógio de parede e deixou cair o olhar sobre o relógio da lareira no momento preciso em que os ponteiros se sincronizavam. Acabara de matar o Amor.
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