.................OU SEJA, UMA CONCORDÂNCIA IDEOLÓGICA....................................................................................................

quarta-feira, novembro 22, 2006

de fora pra dentro


| Espalmo o pensamento contra a vidraça
Uma estrela faria toda a diferença |


estar por dentro e olhar pra fora;
olhar o dentro no de fora;
como se o dentro do de fora
fora por fora o que falta dentro;
esperar por dentro que o de fora
venha pra dentro - nem que fora
só por um laivo de momento.


_________
(inspirado por este poema da Márcia Maia)

terça-feira, novembro 21, 2006

destempo


vale-me nesta hora
ponderar sobre o que quis
: nascer sem nada
: percorrer os trilhos da alvorada
e muitas mais viagens que ainda não fiz
vale-me agora
repensar o que desfiz
: a trama de uma incógnita
: a apropriação do que era nómada
no tempo se perde o tempo da raíz
reponderando a história
vou escrevendo de memória
devolvo o tempo morto
: liberto-o do meu jugo
: imaginando o tal final feliz

à solta na palavra
vivo descrita numa escrita que não fiz
por isso o que descrevo
vale o que vale; diz o que diz
o certo é querer não crer no que já quis

terça-feira, novembro 14, 2006

no limite


baixou uma luz ténue
na rua. na rua larga sem limites de passeio.
um modo estranho de percorrer o mesmo sítio
sem saber se fui. se estou.
sequer se existo. sei que é rua
pois diviso algumas casas. gente
que divaga. como eu. anda sem jeito.
perde-se a luz na rua. na rua larga sem limites
como os meus passos. no limite
do meu peito.

quinta-feira, novembro 02, 2006

a partir chegaste


a partir chegaste .
perdurando . lento . lento .
algo assim .
fiquei nesse momento . que durou .
dura . ficou pra mim .
partir . não é tormento .
chegar . sem ficar . no fundo
nem é partir .
entendo-o . esse momento .
foi chegar . mas pelo fim .

sexta-feira, outubro 20, 2006


deixar que a cabeça penda sobre o papel
que suspire embacie as letras
esborrate as linhas do mote
como o suor que inunda a pele

deixar que penda o verso sobre a cabeça
e consagre o momento
agarre o poeta
que investe entristece
que divaga se projecta
e se propaga
entre a mente e o papel

no turbilhão da escrita
evade-se e amplifica-se o tropel

aquilo que sempre fica
não contém senão pegada
da dor, do amor (são história desmaida)
só viva e funda a espada
marca d'água consignada sob a pele

sábado, outubro 07, 2006

mas eu não sei


Às vezes dizem-me caminhos apontando para roteiros
que eu olho sem ver rodeios e digo sei

mas não sei

Que meneie cem vezes a cabeça em sins acólitos
escondendo em sorrisos os meus vómitos
Que não vos dê a minha dor por ver a vossa e a troque
gentilmente; seja quem mente

mas não sei

Não sei se deva ser generosa
afinal
se toda a verdade é desdenhosa
e a minha pode colidir com a vossa
minta quem possa

mas eu não sei

terça-feira, outubro 03, 2006

não há regresso


já não caminho para o regresso
de onde venho. não há traçados que se projectem
para nenhum lugar marcado - nem chão nem tecto -
o meu passado ficou imerso
por onde andei. deixei bocados - quem sabe infectem -
dispersando ecos de mim por todo o lado - meu o afecto -
neste presente onde me penso
não há regresso. nem recomeço

quarta-feira, setembro 27, 2006

A tua ausência


A tua ausência
não me cabe num poema
Dizer-ta aqui sem pele onde a escrever
era amar-te inteiro como inteiro existes adverso
ao verso do existir por dentro apenas
Não sei de presença
que mais me doa que calar o que em mim fala
pelas entranhas onde circulas adverso
Inverso a tudo a que do amor entendas

domingo, setembro 17, 2006

atrito



a interna circulação
arrisca um texto
rodam paráfrases
do mesmo silêncio
.
atrito insuportável

sexta-feira, setembro 15, 2006

E se não mais fizer


[ ... ]

E se não mais fizer
Que útil seja
Que venha cada dia
Cereja a cereja

[ sob a árvore a vida corre ]
[ por sobre dorme ]

Sou quem sobeja

terça-feira, setembro 12, 2006

Sem pelo dizer passar


Nada mais direi
Que não tenha já dito
; que não tenha sido dito.
Nada que do dizer podia
Encontra rima em metáforas
; equilibradas.
Se os meus silêncios
São aqui já nadas
Antes fossem aquele tudo
; que me soubesse sem pelo dizer passar.
Só passos firmes galgando velhos limites
Passar-me para o outro lado
; sem pensar cuidado
E deixar-me amar.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Suspensão


exalar significados
pelos olhos
tê-los fechados
sucedendo-se as paisagens
só rente aos lábios
intocar-lhes
os âmagos dilatados
suspender os sentidos
retardá-los

sábado, agosto 26, 2006

Construções


Começou pelo fim feito deserto máximo
Fechou-se no seu quarto feito eremita rústico
E a cada dedilhada na guitarra acústica
O som embrionário se escondia opiácio
Vibrando entre dedos de ossos vetustos
Como se a eternidade fosse feita de plástico
E o seu desejo vário variasse em mono
Cercou-se de instrumentos de derrame inválido
Sorrisos comprimidos em dádivas últimas
Como se o seu destino fosse ser seu hóspede
Nasceu de mil bocados em alicerces torpes
A voz bem recolhida em colcheias de barro
Na música aflorando pedaços de escrita
A pele a vibrar sons sem nexo de consolo
Retornando ao embrião que gera sonhos cálidos
Caíu na encruzilhada dos desejos bárbaros
O amor era o corsário desses desejos vários

Começou pelo fim feito derrame inválido
Fechou-se no seu quarto feito um opiácio
E a cada dedilhada na guitarra de barro
O som embrionário se escondia cálido
Vibrando entre dedos de ossos acústicos
Como se a eternidade fosse feita de dádivas
E o seu desejo vário variasse em sonhos
Cercou-se de instrumentos eremitas rústicos
Sorrisos comprimidos em dádivas torpes
Como se o embrião gerasse sonhos bárbaros
Nasceu de mil bocados em alicerces plásticos
A voz bem recolhida em desertos últimos
Na música aflorando pedaços de mono
A pele a vibrar sons sem nenhum nexo máximo
Retornando ao embrião que gera corsários
Caíu na encruzilhada dos desejos vários
O amor era uma espécie de consolo hóspede

______
(contraponto ao Construção, Chico Buarque)

domingo, agosto 20, 2006

eu faço o ninho


quando as palavras têm o peso de um passarinho
eu faço o ninho
num canto do teu sorriso
alongo o olhar pelos pêlos dos teus braços
que são só braços
a luzirem ao luar
deixo-me entreter devagar
na paródia de uma história
num desfiar da memória

é leve e brilha a pupila
cintila levita sem ciso que me prenda
é só renda a rendilhar
brincamos no faz de conta
tu és quem conta eu sou a tonta
até o dia clarear

depois
jogamos palavras com emoção mais pesadas
espreitando nelas as margens do voo a saber voar

assim vamos
construindo coisas simples sem destino
imos novos novos rimos
sabemos nada assim vimos
sozinhos somos num par

quinta-feira, agosto 17, 2006

Epitáfio


De toda a coragem
A que lhe sobrara
Era a de dormir sem sonhos
Pois de sonhar cansara.
A noite de tão longa,
De tão negra e avara,
Tremendo o deixara.
Que o sono ora lhe forre
As penas da almofada.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Se quisesse enlouquecer, podia (*)


Mudos
Persistem os gritos
Continuamente
Infinitos
A asfixiarem-me a pele

Se quisesse
Enlouquecer, podia
Se a aragem da fantasia
Me penetrasse
Real

_______
(*) referência a uma frase de Herberto Helder: "Se eu quisesse, enlouquecia."

quarta-feira, agosto 02, 2006

tudo por dizer


tantos se alonjam
só tu permaneces
porque me habitas
és tu, amor
serás aquele que nunca foi nem está
serás aquele das horas todas
das palavras inomináveis
entorpecidas pelo não-dizer
há um lugar tranquilo
fascinante e intransitável
onde sempre estás deitado
no meu grito a entardecer
tantos se alonjam
só tu permaneces
pois nunca foste ou vieste
e eu com tudo por dizer

sábado, julho 29, 2006

As pontes do amor


Ah!
Poder chamar-te a mim
Sem medo algum de perder-te…
Repaginava os dias
Lambendo as pontas dos dedos
Ah!
O tempo
O dos beijos suaves
Aquele em que fomos milagres
Susteve-nos a meio da ponte

(...)

Soubeste que a tinham alargado?
Sim! Ruíu-lhe uma trave de lado
Chamaram peritos, houve inquérito a aflitos
O tal do processo foi analisado
Nas pontes, parar, avaria os sensores!
Imagina: engenheiros, técnicos; todos dotores
Não consideraram que houvesse amores
Nas pontes, sem fim destinado…

(...)

Se há pontes, amor, transitemos
Parados no amor viajemos
A ponte do amor é maior
Se no sonho do amor, meu amor,
Não tivermos parado

segunda-feira, julho 24, 2006

De que é feita a madrugada?


De que é feita a madrugada?
De alvorada, se a acendem astros
Sem mais nada
Se o sono a esconde apsisionada
Naquela morte descansada
Envolta em luas adormecidas.
Porém se os olhos
Se abrem em feridas
Colando os dias a tantas noites sucessivas…
Crivá-la ousasse; corrigi-la pudesse
Má e drogada - assim seria -
Decepava-a pela palavra!
Assim o cepo se transformasse
Em testemunha ensanguentada
Clamando a justiça que não nasce
Nessa morte executada ao irromper do dia.

quinta-feira, julho 20, 2006

A ecoar na garganta da arriba


Que importa o cais
        - se tu não vens -
Se os barcos
        - que me navega? -
São papéis . O sal dos dias
Espera o sol que o seque
        - eu espero a brisa quente que me derrete -
        - a pele na pele do tempo -
Ser apenas líquido elemento
Uma onda, um bicho
        - um nome ao vento -
Sovada maresia num tropel
        - ser nada de importante -
        - nenhum instante -
E toda a eternidade condensada
        - aquele grão de areia -
        - o quase nada que erode lentamente -
Na decisão eternamente adiada
Soltar a jangada? Prender o batel?

Na clareira
        - o pó da estrada -
Acende o céu uma lua apagada
Crepúsculo que medeia dois limites de tempo
        - resíduo de firmamento -
Mescla imperceptivelmente
O rastro de um momento
        - um fio interligando a dimensão errada -
        - a ténue intercepção de terra e nada -

quarta-feira, junho 21, 2006

flores de vidro


se a memória
história acende
a enunciação é decrescente
ainda assim
sarando sulcos de navalha
volta o rubor
mil cuidados vestem a mão
que colhe e espalha
as flores de vidro do amor

[
escolher contar-te
os meus dias
seria dar-te um inventário. uma
morada. e não me encontras
no passado. estreio contigo. palavras. galopo os silêncios
entre elas. que nas ausências habito.
ter medo
é conhecer. a repetição
dos dias.

apenas escrevo
o volátil movimento dos dedos.
]

terça-feira, junho 20, 2006

lugar solitário


para que os jasmins
me contassem do sol
de hoje que perdi
voltei à noite
esse lugar
de encontros solitários
de mel nos lábios
e os cheiros todos
imaginários
da ausência de ti

segunda-feira, junho 12, 2006

espelhada


disseste
de um poema meu
a regra servir-lhe de alma
pensei - ousei, vê só! -
relancear por ele o esquadro
- e vi que estavas errado -
: a regra não era a alma
servir-lhe, nada a serve
muito menos um poema
- um poema que encarcere
doze cordas - sem dedilhar
o peito que lhe deu fado

dentro dele
presa não fui
escrevi-o - isso o confesso -
: dedilhando de mim pedaços
regrados dentro de um verso
a alma - a alma, atesto -
mirava-o pois que me sabe
espelhada
- mas no reverso

a regra que a tudo serve
serve-me a mim ao escrever
: estrutura no teu olhar
palavras, motes - rasar -
o dito por não dizer
se a melodia
te engana, parte a métrica
rouba a flama
à rima cega outro cego
segue o som - surdo, se a alma
não ouve chamar
quem o ama

segunda-feira, junho 05, 2006

desfragmentando imagens


reparo
que não me chegam as palavras
que as uso
enformadas
num padrão comum
para que me entendam
enquanto o faço
logro o tempo e o passo
pois que nem me digo
nem me entendem

então
de palavras
dispo-me
- engordei de imagens -
ágeis
crescem velozes
nada as prende
desenformam em algaraviadas
como extraviadas da mão que as rende

- assim vai meu pensamento -
desfragmentando imagens
à palavra em desmoronamento

domingo, junho 04, 2006

pés de lua


saem passos
detrás dos passos
de pés parados ao rés da rua
pés de lua
não caminham
voam
parados na mira
da pálpebra cerrada
pés e olhos
flutuam

sábado, junho 03, 2006

brilho


são
traços sem luz
os que desenham
poemas
à espera
que o brilho
dos teus olhos
lhes definam
as formas

sexta-feira, junho 02, 2006

Dar igual não sei


Como fazer
para no confronto da reciprocidade
recolher o espasmo
para não devolver humanidade?
Louca serei
isso eu sei
Carregar num saco atado a atrocidade
tanto desamor imposto
pela vulgar tarefa correcta da paridade!


Dar igual não sei
ao que é igual recebo e calo.
Darei
por certo estranhamente tanto
que é ralo o que parece
Pois fá-lo-ei no maquinal gesto
e erro o excesso só
para mim
Que sei dar igual
ao que igual quero
E dentro
definha inglório o manifesto
Que dar de mim
daria grata e sem protesto.

sexta-feira, maio 26, 2006

E pedes


E pedes
que sonhe - mais do que já faço
no correr das horas -
Que as sinta paradas
noutra dimensão - talvez
perto do olhar -
Que sorria sempre
revirando os sonhos noutras almofadas
Aquelas que encostam
sorriso a sorriso - boca a boca -
amar
E pedes
que descanse - nem sei bem de quê
nem em qual das horas -
Que me desdobre
alongada nelas sem as contar
Contando
vou enleando nelas o cansaço afora
Redobrado - agora - o prazer
se nelas me alongo
a esperar


__________
valsa cantabile, ofertada à Marta Mateus dos O'QueStrada

terça-feira, maio 23, 2006

ERROR


the requested URL was not found

gosto de ti
muito

muito de
ti gosto
ti muito
demito
gosto muito
de gosto
desgosto
muto
disco gasto
mútuo
de ti
muco
gis mito
monstro
mudo
de mim

error… error…
the system is about to be disconnected

quinta-feira, maio 18, 2006

lúdico iludo


semi
       pan
multi
       rés
ultra
       micro
ciclo
       socio
viés

signo.solto.ante.cipando.psico.morfo.logias
= castro o casto sopro = lúdico iludo =

terça-feira, maio 16, 2006

caindo lentamente


eu moldo a almofada ao sonho
de cada noite
          sem nada mais
preparar que da cama
a tua parte
          depois o amor
se encarrega do sono
da tal morte daquilo que parte
o despojo do corpo largado e inerte
                 livre
          de mim sem planos
                        ca
                        indo
                        lent
                        am
                        ente
no poço que mede muitos homens teus
          até que luza à tona a claridade

sexta-feira, maio 12, 2006

Agora


eventualmente retorno
à vida que suspendi por tédio, por destempo
em rés-migalha. quando se catam minutos
e se colam a um mostrador, rodam ponteiros
no sentido dos ponteiros mas nunca - nunca! -
no sentido do amor. a dor aprende-se
de cor, ajeita-se ao seio e suga, suga
o vazio, no tique ganho que gasta
até mesmo o que não há.
diverte-se aquele
para quem as horas são um jogo
de movimento, brincadeira entre ponteiros
que se encontram uma vez por hora.
o maior tapa o pequeno e lemos
hora-e-minutos mesmo quando
o braço grande é o que tapa o da hora…
pela vida fora, como se pára a ideia
se nunca pára o agora?

quinta-feira, maio 11, 2006

Eventualmente retorno


Eventualmente retorno
Como a luz matinal às ruas estreitas
Esgueirando-se pelo que pode
Pendurando-se em janelas
Ficarei parada na tua
Quando trincando torradas
Esvoaçares melenas molhadas
Olhando o Tejo ao fundo
Terás sardinheiras nos lábios
E os pombos da mansarda
Disputarão comigo migalhas
Arrulhando a despique o silêncio
Do meu desejo profundo

Na paisagem eventual
A cidade é o meu capricho
De manhã, de vida, de mundo

segunda-feira, maio 08, 2006

Do amor a sorrir


Vou te falar do amor
Do amor a sorrir
Daquele amor sem horas
Ou que não se importa com as horas
De dormir
É uma outra forma de te amar na eternidade
Como se não importasse a idade
Mas a arte de te amar
Amando como quem arde
A sorrir
Talvez te lembrem meninos
Que brincam de próprios meninos
Mas assim é o amor
Aquele que cresce sem dor
E se espalha
Apagando a lembrança navalha
Que rasgou em nós o pavor
Vamos brincar, meu amor
Antes que o tempo se valha
E nos entregue a mortalha
Que tapa o sorriso
A dormir

sábado, maio 06, 2006

se é ave que canta...


não adianta
a recorrência sonora
qualquer ave canora
sabe
que o canto se faz
da sem-vontade
é uma espécie de grito
impresso no corpo
como a asa que
sabe
do voo
ainda que queda
no ninho piloso
o canto ness’ave
não sabe que
sabe
que é d’ave que canta
fá-lo somente
recorrentemente
somos nós quem se espanta
com a própria garganta

terça-feira, maio 02, 2006

insónias


são sempre tuas
as minhas insónias
como tuas as mãos
se me acercam
magnólias
livre me tenho - cativa
da tua posse
se me visita
que minha não é - tanto
quanto nada é
meu - só tua ser
se minha não sou
quando - de mim
me roubas

quarta-feira, abril 26, 2006

Erra, amante!


Não quero ver horizontado
O sonho pequenino pululante
Que muda e nasce a cada instante
Em que o invento verticalizado
Como o amor - o amor de amante -
Que vive a vida própria do errante
Que erra e segue - erra e fica -
Ululante cada vez que é inventado
- porque, se o é - erra, amante! -
Preso és tu que o crês aprisionado

sexta-feira, abril 14, 2006

ficando


chega aqui
depressa
fica aqui
ficando
como sempre estás
mesmo não chamando
fica aqui
sem pressa
voltarás para dentro
de algum pensamento
que urdi
amando

sexta-feira, abril 07, 2006

também digo apenas


tenho pena que não entendas
como as palavras podem ser
barcos pontes passeios
ou simples festas - revolteios
e te entristeçam
também as digo sem que mas peçam
e passo as pontes
páro nos passeios
embarco nelas - pois são meus veleiros
e parece estrangeiro se me uso delas
enganas-te tantas vezes
quantas vacilas na memória
ao tentares ler-me história
se ao menos entendesses
as palavras em que apenas
livre e alegre
vou soltando a estória

terça-feira, abril 04, 2006

Na rede


Essa daqui, menino,
tem uma pele que só pede trópico,
uma sede de cachoeira e pés de areia,
cabelos na rede ao luar…

O pensamento
acoitado por vontades bárbaras
açoitado pelo pugilato de amores apáras
e no peito
a sem-vergonha do querer a inflar…

segunda-feira, abril 03, 2006

também é fala

era vária a palavra
por mais omissa que num não digo se escondesse
talvez mesmo por isso
o não disse disse tudo e se oferecesse

silêncio lhe chamaram erradamente
dando um nome à tal palavra não falada
silêncio é nada
não se equivoque o nome ao nomeá-la
que a palavra que não se dá
também é fala

sábado, abril 01, 2006

contigo


contigo aqui
na ponta dos dedos
- como quem diz no extremo de mim -
é longe suficiente
para nos sabermos ao pé
juntos é o contigo mais sincero
- nunca o em mim -
ainda que em nós o outro seja outro
e ao outro queiramos mesmo
tantos somos em nós
quantos tantos são outros no outro
que em nós descabemos
assim se dá que no outro outros achemos
de nós - de mim e de ti -
e de nós em nós - tantos outros de nós outros -
que de nós nos perdemos
somente juntos seremos os mesmos
sem outros outros querermos

contigo aqui
na ponta dos dedos
- como quem diz no extremo de mim -
pensei-te outro e não a ti
assim se trai a razão nos enredos
se em mim estás se te penso e não estás
estarás outro de ti em mim outra - a dos medos
e não aquele outro tu está aqui

quinta-feira, março 09, 2006

Vulgar, comum


| unos e indivisíveis, agrupam-se, reconhecendo-se iguais. mas não se somam; justapõem-se |

dizem que me viram
em várias ruas ao mesmo tempo
e eu acredito
vulgar serei, comum
nas ânsias sem enredos das esquinas
por certo outra como eu
ou várias meninas
terão roçado as mágoas e os cabelos
sobre um sorriso largo
igual ao teu, comum
cheio de enredos de ânsias pelas esquinas
por isso as ruas todas
cheias de mim, vulgares serão
enquanto tu, convicto
rasgares sorrisos largos
eu acredito

sábado, março 04, 2006

Um dia, depois


[… a ti, que da vida entendes a liberdade do dar-se inteiro, ainda que correndo o risco de que não nos entendam - mas colhendo a satisfação, se, de entre mil, um houver que decifre o eco.]

um dia dir-me-ás tolas palavras
todas lisas de metáforas
- novas, novinhas -
nos olhos lume brando a acender brasas
e arder no chão sem chão
- as mãos gavinhas -
riremos como riem os amantes
sem nada se dizerem que ao mundo interesse
esse sumir-se-á
- quedo, calado -
nos trilhos que lhe conhecemos do antes
teremos pela frente coisa nenhuma
pois mais não quer que o querer desses instantes
- a fúria mansa, o dorso dos errantes -
os que nascem depois da morte pura

quarta-feira, março 01, 2006

Orbital


Não há descanso
Dentro da poesia.
Se palavras emprestadas
Usadas em desalinho
Desajustam as mensagens
No dizer não há conforto.
Nem ideias em confronto.
Fica a ânsia de as dizer
O poema por fazer.
Adiada fico apenas
Na órbita desses poemas.

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Por sorte - Por certo


Por sorte sobram
Os registos das palavras.
Não foram elas
- por certo inexistiria -.
Por sorte sobram
Nelas certas coisas várias
Dizê-las sorte surte séria bizarria.
Várias por certo sobram soltas
Das imagens
Que alicerçam outras palavras
- assim seria -.
Por certo erram - erro nelas -
Sortes várias
Imagens certas que por certo
Inventaria.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

sonetando ursos-panda fodendo

poeta era mais que urso - só podia!

poeta era mais que urso - só podia!
ousar plasmar assim na queca desses pandas
rima tosca, fraco verso - as pernas bambas -
pra no fim chamar a isso de poesia!

alheio a tudo, iam e vinham os peluches
que anual era o sacramento desse líbido
urso não era - antes asno, e distraído!
presenciar aquela foda entre estrebuches

a natureza ali provava novamente
o despudor e o desmontar de certos mitos
que o frenesi quando se apossa é sem corrente

e nem poeta, virgem concreta ou séria gente
consegue assim alardear do amor os gritos
nem que em poesia a foda seja a mais decente!


(integrado numa rapsódia de sonetos)

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

imas de esforço


desguardei le-
tras iniciais
de iniciáticos ver-
sos depois de as baralhar em jogos
de acaso
destras se agruparam no la-
do esquerdo
da sorte
tribais se ali-
nham justa-
mente ao mesmo ritmo
canhoto
com que tentam acer-
tar no lado cer-
to do ver-
so min-
úsculas máx-
imas de esforço

sábado, fevereiro 11, 2006

como linhas

um fio contínuo
inesperado e fino
oscila ou parte
não fora a arte
a defini-lo
]
pressenti-lo
já é sabê-lo
[
entranço-o
solto
no meu cabelo

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Dialéctica

Passa a mão
solta e espalha
o verso sobre a pele
Sob a pele do verso
passa o resto que o espalha e
solta a mão

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Nesta tela

Nesta tela,
aproximo e afasto os ritmos
no meu tempo
organizo as coordenadas
do espanto
iludo-me e enfrento-me
sem ninguém me ver
corar
Nesta tela,
eu sou tu
ou eu sou ela
- toda uma outra esfera
onde há vida a circular

terça-feira, janeiro 31, 2006

eu quero mais

desimpeçam o caminho
das vossas flores envasadas
guardem-nas nas vossas casas
enfeitadas de pássaros exóticos em gaiolas raras
que à janela de sol em doses
invejam as outras aves elevadas de asas
.
eu, eu quero percorrer trilhos sem homens de plástico
sem os seus cânones elásticos
de prenúncios de vendavais
- do que dão eu quero mais

domingo, janeiro 29, 2006

repontuando dúvidas

cansados de subir montanhas
recostámo-nos no espaldar dos discursos vagos
e esperamos as manhãs com que sonhámos
. ah. invencidos. também. cansados
repontuamos as mesmas dúvidas reacesas por todos os lados
. as manhãs. essas. sucedem-se em espaldares diurnos
. manias apensas aos rituais lá delas
as nossas não vêm. se vieram enquanto dormíamos. não eram as sonhadas
. e a nossa luz. frágil luz. raios difusos
harmonizando filosofias refraseadas
. montanhas. também. de deformada cera pelo queimar de velas
. as perguntas amontoando-se e nós cansados. recostados nelas

segunda-feira, janeiro 23, 2006

sem motivos

só quero a vida sem motivos
deixá-la por aí à solta. esquecida de mim
se com motivos me motiva a vivê-la
deixa-me
no sulco da ruga
o motivo para não querê-la
.
ah. conselhos sobram. enfastiam e tempo roubam
esquecer não sei. esperar não quero
escorra a vida para longe e seu mistério

domingo, janeiro 22, 2006

homens-língua

anda cá
vamos dar nomes às coisas
brincar de homens-língua sob os dentes
rente ao horizonte
há uma ponte
daqui vimos nascente
de lá será poente
a nós parecer-nos-ão sempre diferentes
e os nomes caem errando a fonte
sob a língua sobre a língua
sem margem zenital
saliva urgente

sábado, janeiro 21, 2006

pensámos nada

pensámos nada
. dilataram-se os dias e nós com eles
. cresceu um sol nas nossas noites e não nas dos outros
- culpam-nos por isso -
e pelas alvoradas que vivem penduradas no nosso telheiro
. sei que a pele se estica sempre que nos rimos e somos gentios de fés que prendem seios
. pensámos nada
. quando nos deitamos exalamos cio de virgem madrugada
. crescem flores nos lábios e maçãs cintilam na terra endiabrada
. lentas terra e água

quinta-feira, janeiro 19, 2006

caminhemos

caminhemos lentamente em passos leves.
estaremos já indo. essa a viagem. o que nos espera
não nos conhece.
crescem-nos braços enquanto caminhamos. estaremos nós ali. não vês?
o que pode o destino contra nós?
tranquiliza-te. nada receies. quem nos espera somos nós.
ainda que outros.
nós, os dos braços longos. sem pressa, sem medo.

quarta-feira, janeiro 18, 2006

acontece-nos

acontece-nos um barco. nos olhos
sem cais
e flui pelo líquido desejo de amar
(todas as algas dentro dos peixes
sob o silêncio da água)
. acontece-nos amar
como os bichos
marinhos.

longínqua
a azáfama de pescadores na memória
acontece-nos. a cada maré

terça-feira, janeiro 17, 2006

na linha d'água

manter na linha d’água
o sal
o som
sibilidado da palavra
submergir esporo
emergir poro
e só ser alga