Visita-te, ateu.
Visita-te, ateu.
Mesmo que desconheças os desígnios
de uma fé sem corpo. Hás-de ter algum foco
que possa incidir sobre a imagem de um deus sem tamanho.
Farás bem de teu deus, acredita.
Faz-te falta, sim, amar em sossego distanciado dos
apegos que te cobram os afectos de cartilha. Assim,
não desperdiçarás os beijos, ó avaro de ternura! Sonha
sem remorso; dá-te as asas que invejas nas falas
dos outros. Se dormes tranquilo, achas que isso é sono?
Estás morto! E na romaria dos mortos a vida é um halo a enfeitar
de serpentinas uma árvore de natal. Parece-te mal?!
Guarda nos bolsos as migalhas que agora espalhas sem gula
que a fome enjeita a fartura, canalha! A centelha que acendes não tem
óleo que a faça durar? Inventa-a! E perfuma-a. Se um fio de cheiro
te perpassar as narinas, terás conseguido incorporar
o teu deus, ó ateu dos domingos sem manhã! As escrituras que procuras
estão nas dobras do lençol. Por isso, dorme.
Se te visitares, presenteia-te e diz-te que os bilhetes na porta do frigorífico
não fazem de ti um ser vivo. Peleia! Que não há só maré cheia e
nem sempre o sol activa os ponteiros com que adornaste a lage do
teu jardim; bem podes esperar sentado o pôr do sol do meio dia.
Decresce a prece que te prometeram e que não se cumpriu? Ah ah ah
pobre de ti, que acumulas esperanças sem teres usado por mérito
as primeiras que te cabiam. Lambe os beiços, indigente da sorte!
Espera e não mudes, ó escroque! Esconde-te ou salva-te, mas aproveita
o bocado que te foi reservado e oferece-o sem baba a um pobre.
Ah! E persigna-te perante a morte
quando acabares de joelhos sem que antes tenhas ouvido soar o toque da partida.
Assim é que não, criatura; a isso não se chama vida!