Fiquei colada nas lanchas dos pescadores. Ora, que grande novidade! Quem tem a beira da praia por meias, dificilmente habitua os pés a sapatos ou palmilha, de ténis, montanhas.
Os pescadores lançam os «'tão?» naquele meneio de cabeça, entre o hirto e o desconforme, porque o hábito de carregar aos ombros as redes lhes tornou os músculos tensos e os seus gestos formam peça inteira de torso, pescoço e olhar.
«'tão?», devolvemos, repetindo o ritual da saudação que, embora a inflexão monossilábica se cante entre o registo de pergunta e exclamação, tacitamente sabemos não carecer resposta. O cumprimento é assim a coisa mais parecida com o polido «how do you do?», seguido do «how do you do?», já que ninguém se interessa em saber como realmente vai o outro, ou como se sente o outro, ou sequer o que faria com a resposta do outro, caso ao outro lhe desse para responder.
«'tão?», como o som que uma onda mais forte faz contra o casco dos barcos. Previsível cacofonia do mar na boca, que a tendência é repetir-se o que mais se ouve. Grava-se na mente os sons da praia, como à pele se cola o cheiro a sal e se desbota a cor da alma!
Como é fácil reconhecer os pescadores!? Há neles um silêncio de palavras, que verbo é o mar! E uma postura intemporal, como parda se torna a tez fustigada de sol e sal.
Deles sei o que deles tenho: a certeza de saber que o mar é novo todos os dias, mesmo quando a lua se nega a pendurar-se no breu desse outro mar, que é o céu. Deles sei as ânsias e os medos, como se guardam os segredos que revolvemos com os pés na fina areia.
Estou sentada na escarpa da rocha e canto ao cheiro do peixe fresco. Não me mexo. É a brisa que me vem agitar os membros e é esse movimento que, não sendo meu, me notam.
«'tão?» - fala por mim a rocha, olhando as lanchas na água, salpicadas de gaivotas. E adentro o mar...